Thomas Ruff é um dos melhores fotógrafos alemães da atualidade. Seu trabalho tem origem em uma fotografia mais estéril, objetiva, que adora torres de água, silos e outras estruturas verticais de cimento industrial que de alguma forma se tornaram parte importante do legado fotográfico alemão. Mas ele fez melhor que a maioria.
Mas nos anos 80 Ruff começou a fazer retratos de meio-corpo de pessoas posando e encarando as lentes com intensidade. Foi uma revelação completa. A magnitude dessa série fez parecer que ninguém antes de Ruff pensou em tirar a foto do rosto de alguém. Antes mesmo que essa abordagem pudesse ser percebida pelos monstros marqueteiros, Ruff encontrou uma nova fascinação, e passou a interpretar sua visão maluca de pornô baixado da internet. Os críticos ficaram desnorteados ou ofendidos, ou os dois. O resultado foi Nudes, um livro que você deveria ir comprar assim que acabar de ler essa revista.
Desde a publicação desse livro, Ruff continuou sendo um dos fotógrafos mais queridos e discretos da Alemanha. Quando finalmente conseguimos encontrá-lo, ficamos felizes de ver um cavalheiro com uma visão revigorante e clara do que faz.
Vice: Tenho lido bastante sobre você e o seu trabalho—especialmente os textos que acompanham sua fotografia. Você lê essas coisas?
Thomas Ruff: Tenho que admitir que não ligo muito para esses textos. Li uma vez. Já gasto bastante tempo realizando o meu trabalho. Não tenho vontade de desenvolver teorias ou tentar colocá-lo em perspectiva. Sei o que faço e posso explicar meu trabalho. Mas não tenho uma teoria ou ideologia su-perestruturada por trás de tudo que faço.
Acho que muitas pessoas são atraídas pelos seus retratos. Você sabe dizer por quê?
Deve ser porque não tem nada mais interessante ou belo que um rosto ou um retrato. Como estudante eu só usava pequeno formato porque não tinha como bancar ampliações grandes, e todo mundo dava tapinhas nas mi- nhas costas e dizia, “Ótimo Thomas, boas fotos. Continue assim”. Mas ninguém as comprava. Não ganhei dinheiro.
Você chegou a pensar em desistir de fazer fotos de arte para fazer algo mais comercial?
Achei que faria fotos comerciais pelo resto da minha vida e que, paralelamente, faria um trabalho pessoal artístico. Então, com os retratos artísticos tudo mudou. Foi a emancipação da fotografia contemporânea na cena artística ou no mercado de arte.
Compradores e frequentadores de galerias estão começando a se reanimar.
De repente os retratos estavam em galerias e feiras de arte e as pessoas não acreditavam no que viam, que ampliações daquele tama-nho eram viáveis. Pessoas que não estavam nem aí para fotografia estavam gostando do que viam.
E por que você acha que isso acontecia?
O grande formato tem essa presença física—você simplesmente não consegue ignorá-lo. Não importava mais se era serigrafia ou papel fotográfico.
Quem são as pessoas nas fotos?
Eram todos amigos ou colegas da Academia de Arte em Düsseldorf. Uma vez por ano eles fazem esse tour, uma espécie de semana open house. É feita uma limpeza nas salas de aula e os trabalhos realizados no decor-rer do ano são expostos. Em 1981 expus meus primeiros retratos—desde então, sempre que pedi para alguém posar para um retrato, aceitaram. 90% são colegas, o resto são pessoas que conheci no Ratinger Hof, um bar próximo. Eram estudantes de Medicina, de História da Arte, Moda e assim por diante.
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Retratos cortesia de Kunsthalle Wien, todas as outras fotos cortesia de Thomas Ruff.
Como você faz os seus retratos?
Em primeiro lugar, eles não tomam um cafe-zinho—isso faz o rosto deles ficar abatido. Conversamos por cinco minutos, então ele ou ela senta na cadeira. Minha câmera é grande formato, isso significa que tenho que ficar embaixo de um pano preto. Faço todos os ajustes e então fico ao lado da câmera. Peço a eles para parecerem confiantes, mas para estarem cientes que estão sendo fotografados naquele mesmo instante. Dou algumas dicas de correção de postura, como levantar um pouco o queixo ou olhar um pouco para a direita.
Seu trabalho com retratos em grande formato o levou diretamente aos nus?
Os nus são a segunda série de mais sucesso, logo após os retratos. Suponho, mais uma vez, que o rosto humano é interessante, e que todo mundo tem preferências, desejos e práticas sexuais. Então, depois do rosto, essa é a atração seguinte, e é por isso que os nus fazem tanto sucesso.
Como eles surgiram?
Me deparei com tudo isso quando comecei a refletir sobre fotografia de nus. Fiz uma pesquisa na internet. Se você digitar “fotografia nus” você chega em Helmut Newton e Peter Lindbergh. Achei isso meio sem graça, a perspectiva heterossexual do século XIX de mulheres bonitas em lagos. Pesquisando mais, encontrei por acidente aquelas páginas de propaganda de sites pornôs pagos. Senti que eles eram muito mais honestos que as fotografias artísticas de nus—eles iam direto ao assunto. Existem desejos, e esses desejos devem ser satisfeitos.
O que o atiçou mais na pornografia de internet?
Fiquei surpreso com o exibicionismo e o voyeurismo presente na internet. Naquela época eu estava fazendo experiências com manipulação de pixels. Quando transferi minha parafernália para uma das imagens, tive o meu primeiro nu. Mostrei para a minha namorada para ver o que ela achava. Ela disse, “Na verdade, uma porcaria, mas é bom mesmo assim”. Achei aquilo interessante, então baixei mais imagens e trabalhei nelas. Tentei trabalhar objetivamente, não apenas sob o meu ponto de vista heteros-sexual. Tentei cobrir todo um leque de práticas e desejos sexuaispara democratizá-los. Heterossexual, homossexual, fetiche e assim por diante.
E você acabou publicando esse trabalho. Como surgiu Nudes, o livro que você fez com o romancista Michel Houellebecq?
A Editora Scirmer/Mosel queria fazer um livro com nós dois. A princípio queriam um artigo sobre fotografia de nus, mas achei uma besteira e disse que não ficaria bom, que seria melhor utilizar algum texto do Houellebecq, pois sou um grande fã dele. A editora perguntou a ele se forneceria alguma peça literária para esse livro. Mas eu não chamaria isso de colaboração. Mais tarde o Schirmer me disse que o Houellebecq estava planejando fazer um soft porn e queria me consultar para pro-blemas técnicos. Foi praticamente isso.
Você presta atenção em fotografia hoje em dia?
Na verdade, não me interesso muito por fotografia. Me interesso mais por arte. De certa forma, estou muito velho para isso e muito mais preocupado com as minhas próprias coisas.
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